Obesidade, ansiedade e sedentarismo não são falhas individuais – são consequências de políticas públicas que ignoram a prevenção
No Brasil, saúde pública é sinônimo de pronto-socorro. Esperamos o problema explodir para depois tentar contê-lo. Nosso sistema está estruturado para remediar, não para prevenir. O Ministério da Saúde direciona recursos majoritariamente para tratamentos. O Ministério do Esporte mantém foco desproporcional em atletas de elite. O Ministério da Educação permite que crianças passem anos em carteiras escolares sem conexão real com movimento e corpo, ignorando que os fundamentos da saúde são construídos na infância.
Enquanto isso, uma epidemia silenciosa se expande: doenças crônicas evitáveis como obesidade, sedentarismo, ansiedade e depressão. Tratamos essas questões como escolhas pessoais, mas elas têm raízes comportamentais, culturais e estruturais que afetam diretamente sistemas de saúde, economia e expectativa de vida da população.
A falta de políticas públicas consistentes de bem-estar tem preço alto. A Organização Mundial da Saúde estima que a inatividade física pode custar aos sistemas públicos de saúde US$ 300 bilhões entre 2020 e 2030 – aproximadamente US$ 27 bilhões anuais. Pesquisa publicada na The Lancet Global Health em 2023 confirma: o sedentarismo já representa US$ 47,6 bilhões por ano em gastos diretos com saúde globalmente. No Brasil, o impacto é mensurável: R$ 290 milhões anuais do orçamento do SUS vão para internações por doenças crônicas não transmissíveis relacionadas à inatividade física (Câmara dos Deputados). Uma redução de apenas 10% nesse índice economizaria R$ 20,3 milhões anuais só na atenção oncológica (Fórum DCNTs).
E continuamos tratando tudo como responsabilidade exclusivamente individual.
Quando o ambiente adoece, as pessoas adoecem junto
A narrativa de que alimentação ruim, sedentarismo ou negligência mental são culpa de cada pessoa é conveniente para manter o status quo. Políticas públicas efetivas reconhecem que o ambiente determina a saúde: infraestrutura urbana, acesso a alimentos nutritivos, espaços adequados para atividade física, educação para autocuidado e campanhas que incorporem bem-estar como valor cultural.
Atualmente, manter-se saudável no Brasil exige esforço heroico. Cidades carecem de infraestrutura adequada, escolas não oferecem programas atualizados de movimento, alimentos ultraprocessados custam menos que opções naturais, e o marketing industrial reforça escolhas que criam dependência. O resultado: uma população adoecida que se culpa pela própria condição.
Esse modelo é insustentável. Países no topo dos rankings de qualidade de vida compreendem que bem-estar é política de Estado. As chamadas “Zonas Azuis” – regiões como Okinawa (Japão), Nicoya (Costa Rica) e Icária (Grécia) – concentram pessoas que ultrapassam 90 e 100 anos com qualidade de vida preservada. O Okinawa Centenarian Study demonstra que nesses locais há baixa incidência de doenças crônicas, resultado de hábitos integrados ao cotidiano: movimento constante, alimentação baseada em plantas com mínimo processamento, vínculos sociais fortes, sono adequado e senso de propósito definido. Embora o conceito de Zonas Azuis tenha recebido críticas sobre precisão de registros e variações culturais, o princípio permanece: quando ambiente e cultura facilitam escolhas saudáveis, longevidade e qualidade de vida deixam de ser exceção.
Singapura implementou o programa Healthier SG, que incentiva cidadãos a se cadastrarem com médicos de família e seguirem planos personalizados de saúde preventiva, oferecendo consultas subsidiadas e recompensas financeiras por metas de atividade física e alimentação saudável. Na Noruega, há subsídios para academias e incentivos fiscais para empresas que promovem hábitos saudáveis, integrando atividade física às políticas educacionais e ao ambiente de trabalho. O Brasil, em contraste, segue equiparando saúde a hospital, sem integrar prevenção e promoção de hábitos saudáveis às estratégias nacionais de forma consistente.
A transmissão da obesidade entre gerações
Estudo recente publicado na Nature Communications (2025) confirmou que obesidade pode ser transmitida não só geneticamente, mas através de padrões epigenéticos: comportamentos alimentares, níveis de estresse e estilo de vida dos pais influenciam diretamente a saúde metabólica das próximas gerações.
Uma população negligenciada hoje cria um ciclo perpétuo de doenças amanhã. Não se trata apenas de “ajudar quem quer emagrecer”. Trata-se de reconhecer que uma sociedade doente compromete seu próprio futuro – e que políticas públicas de bem-estar representam investimento, não despesa.
Caminhos possíveis
O Brasil tem todas as condições para protagonizar essa transformação, mas precisa reconhecer que saúde é construção coletiva. Algumas diretrizes baseadas em experiências internacionais bem-sucedidas que poderiam mudar nossa realidade:
- Instalar academias públicas de qualidade em regiões de maior vulnerabilidade social.
- Incentivar programas corporativos de bem-estar através de isenção fiscal para empresas que promovam saúde física e mental.
- Reformular a educação física escolar, transformando-a em pilar pedagógico moderno e envolvente, não apenas recreativo.
- Desenvolver campanhas nacionais valorizando movimento diário, alimentação real e autocuidado, com linguagem acessível e inclusão digital.
- Estabelecer uma Secretaria Nacional de Bem-Estar integrando ações dos ministérios de Saúde, Educação, Esporte, Assistência Social e Planejamento.
- Regulamentar marketing de alimentos ultraprocessados, especialmente voltado para crianças.
Bem-estar não é utopia individual. É responsabilidade coletiva, necessidade econômica e urgência cultural. Enquanto seguirmos apenas apagando incêndios, veremos corpos adoecendo, mentes entrando em colapso e futuros sendo comprometidos pelo que poderia ser evitado: a ausência de políticas públicas de prevenção.