Do sedentarismo à obesidade: consequências da pandemia na saúde

Da pandemia de COVID à pandemia de obesidade: as escolhas que nos trouxeram até aqui

Paola Doutora

01/10/2025

Impactos do sedentarismo pós-pandemia: uma análise dos desafios atuais para a saúde pública

Durante a pandemia, academias fecharam e o movimento virou vilão. Cinco anos depois, os números provam: quem alertou sobre os riscos do sedentarismo forçado estava certo. E o Brasil paga a conta com recordes de obesidade, saúde mental em colapso e uma geração de jovens mais frágeis.

Em 2020, o mundo parou. Entre decretos e manchetes alarmistas, um mantra ecoava: “fique em casa”. O discurso parecia nobre, mas ignorava uma verdade que a ciência já conhecia: a inatividade física mata.

Durante meses, treinar virou quase um crime. As academias foram tratadas como vilãs, enquanto o sofá se transformava no refúgio oficial. Fast foods permaneceram abertos como “serviços essenciais”, mas locais onde as pessoas poderiam fortalecer seus corpos foram trancados. A contradição era gritante.

Cinco anos depois, os números falam por si. O Brasil bate recordes de obesidade, a saúde mental entrou em colapso e uma geração inteira de adolescentes cresceu sem estímulos físicos ou sociais. Não foi apenas o vírus que nos adoeceu — foi a política de sedentarismo institucionalizada.

Os alertas que ninguém quis ouvir

Desde o início da pandemia, alertei sobre os riscos. Em 2021, quando o confinamento ainda era regra, escrevi sobre como a obesidade era o principal fator de risco para casos graves de COVID-19. Noventa por cento das mortes aconteciam em países com altas taxas de obesidade.

Na época, questionei: se a obesidade apresenta o maior risco de letalidade por COVID-19, por que fast foods eram essenciais e academias dispensáveis? A resposta nunca veio. O que veio foram acusações de negacionismo e fake news.

Mas os dados sempre estiveram do meu lado. Mostrei como apenas 10 dias de inatividade causam mudanças cerebrais mensuráveis. Duas semanas parado reduzem a capacidade cardiovascular em 10% e comprometem pressão arterial e glicose. Em quatro semanas, a força muscular declina. Em oito, a composição corporal muda.

Dados da Fapesp confirmaram: nos primeiros meses de confinamento, houve redução de 35% na atividade física e aumento de 28,6% no sedentarismo. O consumo de ultraprocessados disparou.

A ciência que foi ignorada

Em 2023, publiquei uma revisão mostrando que o exercício é um dos remédios mais importantes contra a COVID-19. O estudo era claro: as moléculas liberadas durante o exercício têm efeitos opostos aos danos causados pelo vírus.

Quem mantinha 150 minutos de atividade física moderada por semana tinha redução de 22% a 42% no risco de hospitalização, 34% a 38% menos internações em UTI, e até 83% menos risco de morte. Um estudo da UERJ mostrou que o exercício reduz em 34% o risco de internação por COVID-19.

Mas essa informação foi ignorada. Preferiram tratar o movimento como inimigo.

O preço que estamos pagando

Em 2020, a The Lancet projetava 800 milhões de pessoas com obesidade até 2025. Chegamos a 1 bilhão antes do prazo. A obesidade infantil ultrapassou a desnutrição. E diferente de um vírus, obesidade e sedentarismo são pandemias contínuas e silenciosas.

O confinamento disparou os índices de sobrepeso em todas as idades. Consultórios psiquiátricos estão lotados. Ansiedade e depressão explodiram. Temos uma população mais dependente de medicamentos do que de rotinas saudáveis.

Os adolescentes foram os mais prejudicados. Perderam anos críticos de socialização e movimento. Hoje temos uma geração visivelmente mais frágil: menos ativa, com menor capacidade física, ossos menos densos, músculos menos desenvolvidos. E maior risco de doenças crônicas precoces.

Os impactos psicológicos são graves. Esses jovens perderam habilidades sociais, desenvolveram vícios digitais intensos e apresentam índices alarmantes de transtornos mentais.

O negacionismo da saúde

Não foi falta de conhecimento. Estudos desde o início mostravam a importância da atividade física para imunidade, saúde mental e prevenção de complicações.

O que houve foi disputa política e ideológica, travestida de “ciência oficial”. Interesses financeiros, vaidade institucional e covardia intelectual. No meio disso, escrevi. Alertei. Apresentei dados. E fui acusada de espalhar desinformação. Hoje, os números mostram quem realmente negou a ciência.

E agora?

Os governos vão esperar a próxima pandemia? Vão reconhecer que saúde não se constrói apenas com isolamento, mas com movimento, alimentação adequada e qualidade de vida? Ou vão continuar protegendo egos políticos?

O que vivemos foi a maior política de sedentarismo da história. Seus efeitos vão reverberar por décadas. Crianças que perderam anos de desenvolvimento. Adultos que ganharam peso e desenvolveram doenças crônicas. Idosos que perderam independência.

O vírus passou. As consequências das escolhas equivocadas continuam. Cabe a nós decidir se vamos aprender ou repetir os erros.

Eu continuo defendendo o óbvio: movimento é vida. Sedentarismo é doença. E nenhuma política de saúde pública deveria ignorar essa verdade novamente.

Perguntas frequentes

Quais os grupos etários mais afetados pela inatividade física durante a pandemia?

De acordo com estudos nacionais e internacionais, adolescentes e adultos jovens apresentaram reduções mais sustentadas na prática de exercícios físicos, seguidos por idosos que perderam oportunidades de socialização. Esse padrão acarreta impactos prolongados sobre o desenvolvimento físico e a saúde mental nas próximas décadas.

Como os profissionais podem incentivar a retomada da atividade física após longos períodos de inatividade?

É recomendado que a reintrodução seja gradativa, com planejamento individualizado, respeitando limitações atuais e integrando ações educativas. A intersetorialidade, que envolve escolas, centros comunitários, unidades básicas de saúde e campanhas públicas, potencializa os resultados e amplia o engajamento social.

O aumento de transtornos psiquiátricos pode ser atribuído ao sedentarismo?

Sim, existe associação significativa entre inatividade física e maior prevalência de ansiedade, depressão e transtornos de humor. A privação do exercício regular durante a pandemia contribuiu para o agravamento desses quadros, especialmente em populações vulneráveis.

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Referências:

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