Impactos do sedentarismo pós-pandemia: uma análise dos desafios atuais para a saúde pública
Durante a pandemia, academias fecharam e o movimento virou vilão. Cinco anos depois, os números provam: quem alertou sobre os riscos do sedentarismo forçado estava certo. E o Brasil paga a conta com recordes de obesidade, saúde mental em colapso e uma geração de jovens mais frágeis.
Em 2020, o mundo parou. Entre decretos e manchetes alarmistas, um mantra ecoava: “fique em casa”. O discurso parecia nobre, mas ignorava uma verdade que a ciência já conhecia: a inatividade física mata.
Durante meses, treinar virou quase um crime. As academias foram tratadas como vilãs, enquanto o sofá se transformava no refúgio oficial. Fast foods permaneceram abertos como “serviços essenciais”, mas locais onde as pessoas poderiam fortalecer seus corpos foram trancados. A contradição era gritante.
Cinco anos depois, os números falam por si. O Brasil bate recordes de obesidade, a saúde mental entrou em colapso e uma geração inteira de adolescentes cresceu sem estímulos físicos ou sociais. Não foi apenas o vírus que nos adoeceu — foi a política de sedentarismo institucionalizada.
Os alertas que ninguém quis ouvir
Desde o início da pandemia, alertei sobre os riscos. Em 2021, quando o confinamento ainda era regra, escrevi sobre como a obesidade era o principal fator de risco para casos graves de COVID-19. Noventa por cento das mortes aconteciam em países com altas taxas de obesidade.
Na época, questionei: se a obesidade apresenta o maior risco de letalidade por COVID-19, por que fast foods eram essenciais e academias dispensáveis? A resposta nunca veio. O que veio foram acusações de negacionismo e fake news.
Mas os dados sempre estiveram do meu lado. Mostrei como apenas 10 dias de inatividade causam mudanças cerebrais mensuráveis. Duas semanas parado reduzem a capacidade cardiovascular em 10% e comprometem pressão arterial e glicose. Em quatro semanas, a força muscular declina. Em oito, a composição corporal muda.
Dados da Fapesp confirmaram: nos primeiros meses de confinamento, houve redução de 35% na atividade física e aumento de 28,6% no sedentarismo. O consumo de ultraprocessados disparou.
A ciência que foi ignorada
Em 2023, publiquei uma revisão mostrando que o exercício é um dos remédios mais importantes contra a COVID-19. O estudo era claro: as moléculas liberadas durante o exercício têm efeitos opostos aos danos causados pelo vírus.
Quem mantinha 150 minutos de atividade física moderada por semana tinha redução de 22% a 42% no risco de hospitalização, 34% a 38% menos internações em UTI, e até 83% menos risco de morte. Um estudo da UERJ mostrou que o exercício reduz em 34% o risco de internação por COVID-19.
Mas essa informação foi ignorada. Preferiram tratar o movimento como inimigo.
O preço que estamos pagando
Em 2020, a The Lancet projetava 800 milhões de pessoas com obesidade até 2025. Chegamos a 1 bilhão antes do prazo. A obesidade infantil ultrapassou a desnutrição. E diferente de um vírus, obesidade e sedentarismo são pandemias contínuas e silenciosas.
O confinamento disparou os índices de sobrepeso em todas as idades. Consultórios psiquiátricos estão lotados. Ansiedade e depressão explodiram. Temos uma população mais dependente de medicamentos do que de rotinas saudáveis.
Os adolescentes foram os mais prejudicados. Perderam anos críticos de socialização e movimento. Hoje temos uma geração visivelmente mais frágil: menos ativa, com menor capacidade física, ossos menos densos, músculos menos desenvolvidos. E maior risco de doenças crônicas precoces.
Os impactos psicológicos são graves. Esses jovens perderam habilidades sociais, desenvolveram vícios digitais intensos e apresentam índices alarmantes de transtornos mentais.
O negacionismo da saúde
Não foi falta de conhecimento. Estudos desde o início mostravam a importância da atividade física para imunidade, saúde mental e prevenção de complicações.
O que houve foi disputa política e ideológica, travestida de “ciência oficial”. Interesses financeiros, vaidade institucional e covardia intelectual. No meio disso, escrevi. Alertei. Apresentei dados. E fui acusada de espalhar desinformação. Hoje, os números mostram quem realmente negou a ciência.
E agora?
Os governos vão esperar a próxima pandemia? Vão reconhecer que saúde não se constrói apenas com isolamento, mas com movimento, alimentação adequada e qualidade de vida? Ou vão continuar protegendo egos políticos?
O que vivemos foi a maior política de sedentarismo da história. Seus efeitos vão reverberar por décadas. Crianças que perderam anos de desenvolvimento. Adultos que ganharam peso e desenvolveram doenças crônicas. Idosos que perderam independência.
O vírus passou. As consequências das escolhas equivocadas continuam. Cabe a nós decidir se vamos aprender ou repetir os erros.
Eu continuo defendendo o óbvio: movimento é vida. Sedentarismo é doença. E nenhuma política de saúde pública deveria ignorar essa verdade novamente.